Alice

19, October 2005 - 08:30 pm


Há 193 dias, a Alice desapareceu. De três anos, cabelos castanho-claros encaracolados, vestia um casaco azul.
Hoje, a Alice continua desaparecida. Hoje, como ontem, um pai acorda cedo, veste-se. Vai à lavandaria, compra um bonequinho ao mendigo, apanha o metro, dirige-se ao infantário. Mas hoje, esse pai não leva uma menina pela mão. Não. Hoje vai só, hoje recorda, hoje sente-a consigo. Hoje, comprou o 193º bonequinho ao mendigo. Hoje, seria o seu 4º aniversário. Hoje, a casa não está cheia de gente, de alegria. Hoje, as batatas fritas congeladas têm todas o mesmo tamanho e fica no ar o porquê, cuja resposta não interessa, hoje tenta-se simplesmente distrair as lágrimas.
A Alice, uma criança. A Alice, o passar dos dias. A Alice, as lágrimas. A Alice, a frustração. A Alice, o desespero. A Alice, a loucura. A Alice, a saudade. A Alice, a busca. A Alice, a incógnita. A Alice, uma realidade. A Alice, uma vítima. A Alice, um Alexandre, uma Cláudia, um Jorge, uma Sofia, um Rui Pedro. A Alice, um Apelo.
E hoje, a Alice cruzou-se com o pai. Mas hoje o pai desistiu. Hoje, ela não passou de mais uma miragem. A partir de hoje, não haverão mais esperanças quebradas pela frustração. Não haverão mais Alices na multidão. A partir de hoje, a Alice será somente uma uma recordação dolorosa, uma filha desaparecida, uma parte de si, uma parte da mãe. A partir de hoje, a vida e o quotidiano seguirão o seu ritmo.
A partir de hoje, não haverá mais Alice.

Hoje fui ver "Alice", um passo na evolução do cinema português. E chorei.
-Ruth
(review on a portuguese movie/masterpiece, showing the reality the childrens' kidnapping for unappropriate pruposes)

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